Texto: Danielle Valentim
A segunda etapa do Seminário Caminhos para a Inclusão: Dignidade e Direito para a População em Situação de Rua, da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, encerrou nesta terça-feira (16) com o 1º Encontro de Formação de Coletivo, que identificou possíveis lideranças e instituiu o Fórum POP RUA de MS.
Ao fim do encontro foi produzido um importante documento com as demandas e dilemas enfrentados nas ruas da Capital: a Carta da População de Rua de Campo Grande.
O material apresentou as preocupações, propostas de qualificação e ampliação dos serviços existentes, o fortalecimento da luta das organizações sociais e a falta de transparência orçamentária.
Entre os registros, estão: “a ausência de políticas públicas de trabalho e habitação”; “a inexistência de uma política pública municipal de atenção ao migrante”; a “falta de capacitação e sensibilização dos agentes de segurança pública que atuam diretamente com a população de rua”; e as “dificuldades para acessar os serviços de saúde tanto nas Estratégias de Saúde da Família (ESF) quanto na saúde mental”.
A coordenadora do Núcleo dos Direitos Humanos (Nudedh), defensora pública Thaísa Defante, abriu a programação explicando o papel da Defensoria e o objetivo da oficina, realizada nos períodos matutino e vespertino.
“A Defensoria atende pessoas que não têm recursos para pagar um advogado, e o trabalho do defensor público não é somente na justiça, ele é feito com o discurso político de como está o serviço, o trabalho, por exemplo. Esse espaço foi organizado para que vocês falem por si sobre o que é precisa melhorar e como fazer. Chamamos aqui os parceiros da comunidade nacional, da comunidade de rua para nos ajudar a ver a nossa própria representação e de quais formas podemos seguir juntos”, pontuou a coordenadora.
Na sequência, as mais de 60 pessoas em situação de rua participantes se dividiram para debater problemas existentes na assistência prestada em Campo Grande.
No grupo formado por mulheres, a integrante do Ciamp-Rua, Sueli Oliveira, reforçou que é possível sair da situação de rua. “Foi possível para mim porque tive oportunidade, e hoje vocês que estão reunidas aqui também poderão sair”, destacou.
Integrante da roda, Lucimar Rangel, mais conhecida nas ruas da Capital como Eloá, contou que a desestruturação de sua família, aos 14 anos, devido a uma traição do pai, é um dos reflexos que a levou para as ruas.
“Estou na rua há quase 15 anos e não é fácil. Essa dinâmica dos grupos para apontar o que nós mulheres passamos é importante para que os companheiros de rua tenham essa percepção das violências que sofremos em casa, nos centros de acolhimento e também nas ruas”, pontuou.
Porta-voz do grupo da comunidade LGBTQIA+ em situação de rua, Júlio Cesar destacou a discriminação. “Coloquei no debate o meu ponto de vista: estou há 4 meses em situação de rua e, lá na Uaifa, o último lugar que poderíamos ser julgados, nós sofremos discriminação de todo gênero”, pontuou.
Representando os homens em situação de rua, duas pautas foram levantadas por Marcos César: A falta de vagas por conta da chegada de muitos imigrantes e a ausência de transparência na administração dos recursos.
“São muitos pontos, mas além das abordagens serem agressivas e da falta de acesso à saúde, nossa reivindicação maior é por vaga no acolhimento. Estamos com irmãos na rua há meses sem vaga pra, sequer, tomar um banho. Outra questão é com relação ao orçamento: se vem recurso federal, porque até a comida é pouca? Para onde vai esse dinheiro? ”, questionou.
Samuel Rodrigues, da coordenação nacional do MNPR em Minas Gerais, destacou a importância da participação do público-alvo.
“Foram muito participativos participativa, o que contribui no debate e na oficina de formação de lideranças. Deixamos constituído um coletivo, formado por três companheiros e duas companheiras, que mensalmente continuará os encontros em Campo Grande, junto com instituições, parceiros não governamentais e etc”, pontuou Samuel.
A oficina contou com a participação da defensora pública do Mato Grosso e integrante do Comitê Nacional Pop Rua Jud, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Rosana Mayor; da presidente da Associação Brasileira de Redutores de Danos Aborda, Bia Almeidinha; do presidente da Associação Águia Morena de Redução de Danos, Kedney Araújo; Escola Nacional Pop Rua e Trabalhadores da rede socioassistencial, bem como de Maria Suely Sobral, coordenadora do MNPR na Bahia; e dos representantes do movimento, Joana Basílio e Kleidson Oliveira.
Confira na íntegra a Carta da População de Rua de Campo Grande elaborada ao fim do seminário:
Nós homens, mulheres e pessoas LGBTQIAPN+ vivendo em situação de rua na cidade de Campo Grande MS reunidas com o Movimento Nacional da População de Rua, Defensoria Pública do estado de Mato Grosso do Sul, Defensoria Pública do estado do Mato Grosso, Associação Brasileira de Redutores de Danos – ABORDA, Associação Águia Morena de redução de danos, Escola Nacional Pop Rua e trabalhadores da rede pública, após análise da situação em que se encontra a população de rua e os serviços ofertados a este público, manifestamos por meio desta nossas preocupações e também apontamos propostas para a qualificação e ampliação dos serviços existentes no município, além do fortalecimento da luta da população de rua e das organizações que atuam com o seguimento.
Entre nossas preocupações e reinvindicações podemos destacar:
- A ausência de políticas públicas de trabalho e habitação,
A inexistência de uma política pública municipal de atenção ao migrante;
Falta de capacitação e sensibilização dos agentes de segurança pública que atuam diretamente com a população de rua;
Dificuldades para acessar os serviços de saúde tanto na Estratégias de Saúde da Família (ESF) quanto na saúde mental;
Falta de transparência dos investimentos públicos nos programas, projetos, serviços e benefícios voltados à população de rua.
Diante deste quadro, identificado por nós, tomamos as seguintes decisões:
Assumir a luta de forma coletiva em defesa dos nossos direitos realizando reuniões periódicas para dialogar sobre nossas questões e propor as autoridades competentes possíveis soluções;
Instituir em parceria com a DPE/MS e os demais parceiros o Fórum Municipal de Políticas Públicas para e com a população de rua;
Manter por intermédio das lideranças locais e do Fórum Municipal contatos com o Movimento Nacional da População de Rua e outros atores em nível estadual, regional e nacional que constroem a política para a população de rua;
Por fim conclamamos as autoridades competentes municipais e estaduais que empreendam esforços no sentido de qualificar e ampliar a oferta de serviços, programas, projetos e benefícios voltados à população de rua, e que incentive, apoie e contribua para a inclusão desta população no processo de participação social em nosso município (conselhos, comissões, seminários e outros).
Certos de sua atenção, nos despedimos e nos colocamos à disposição para diálogos futuros.
Campo Grande, 16 de abril de 2024.