Texto: Guilherme Henri
A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul realizou um estudo para analisar o perfil dos indivíduos que passaram pela audiência de custódia mais de uma vez em um curto período. Este projeto, uma colaboração entre o Núcleo Criminal, sob a coordenação do defensor Daniel de Oliveira Falleiros Calemes, e a Coordenadoria de Pesquisa e Estudos, cobriu o período de 1º de julho de 2022 a 30 de setembro de 2023. Ao longo desse período, foram registradas 4.171 audiências de custódia, sendo que 367 pessoas compareceram mais de uma vez ao ato, o que representa 17,62% do total.
É preciso esclarecer que a audiência de custódia é o primeiro contato da pessoa com a justiça após ter sido presa em flagrante, fator que não importa em reconhecimento da sua culpa.
O estudo identificou que fatores como condições precárias de moradia, desemprego ou subemprego, e abuso de substâncias psicoativas contribuem significativamente para maior vulnerabilidade ao sistema de justiça criminal. A pesquisa visa entender as causas dessa reiteração para desenvolver estratégias eficazes de redução, levando em conta a complexidade dos fatores sociais e de saúde envolvidos.
Um aspecto destacado pela pesquisa é a maior vulnerabilidade de certos grupos. Por exemplo, 8% dos participantes das audiências de custódia viviam em situação de rua, número que aumenta para 16% entre os que são presos mais de uma vez. Além disso, enquanto 12,4% dos entrevistados em geral relataram depender de trabalhos esporádicos para sobreviver, essa porcentagem sobe para 19% entre os que retornam ao ato. No que se refere ao uso de substâncias psicoativas, observou-se 32% dos casos únicos contra 49% entre os que reingressam no sistema criminal, indicando um risco elevado de incidência do poder de polícia para esse grupo.
Segundo o coordenador, “a frequência de pessoas em situação de rua reflete a ineficiência de políticas públicas voltadas ao amparo dessa população, bem como denotam a descontinuidade dos serviços de documentação e qualificação profissional promovidos pelo serviços de acolhimento e assistência social. Além do mais, os números retratam a ausência de tratamento de saúde sério e contínuo para pessoas em situação de drogadição.”, explica.
Quanto à demografia, 88% dos que comparecem às audiências de custódia pela primeira vez são do sexo masculino, um número que permanece quase inalterado (88,7%) entre os reincidentes. No tocante à autodeclaração étnico-racial, os pardos constituem 62,7% dos casos únicos e 68,3% entre os casos reiterados.
Conforme o coordenador, “parece haver uma incidência maior desse grupo nas custódias, circunstância que reflete questões profundas de racismo estrutural em nossa sociedade”, concluiu.
O estudo nos convida à uma reflexão sobre as políticas públicas de segurança, assistência social e saúde, e propõe uma crítica sobre a criminalização da pobreza.
Coordenador do Nucrim, defensor público Daniel Calemes.