Defensoria pede reajuste da ajuda de custo para pacientes em tratamento fora do domicílio

 

Dr Nilto ACP

O autor da ação é o defensor público Nilton Marcelo de Camargo (Foto: DPMS)


Texto: Guilherme Henri

A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul ajuizou uma Ação Civil Pública contra o Estado de Mato Grosso do Sul com o objetivo de corrigir distorções no Programa Tratamento Fora do Domicílio Interestadual (TFD-I).

Conforme o defensor público autor da ação, Nilton Marcelo de Camargo, o documento questiona a defasagem de 17 anos no valor da ajuda de custo paga a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) que precisam realizar procedimentos de alta complexidade em outros estados, além de apontar falhas estruturais e administrativas na execução do programa.

“O TFD-I garante transporte e ajuda de custo a pacientes e acompanhantes para realização de exames, cirurgias ou tratamentos especializados indisponíveis no estado de origem. O programa é acionado quando o serviço de saúde necessário não está disponível em Mato Grosso do Sul, mas existe em outra unidade da federação, permitindo que o paciente seja encaminhado para lá. No entanto, o valor de referência da ajuda de custo, fixado em R$ 24,75 pela Portaria GM/MS nº 2.488, de 2 de outubro de 2007, nunca foi atualizado, apesar da inflação acumulada de 103,03% entre 2007 e 2024”, aponta o defensor.

Números

Segundo cálculos apresentados na ação, a atualização monetária elevaria a diária para mais de R$ 123,35 — valor mais próximo da realidade de mercado.

“Esse valor está completamente defasado e não atende ao objetivo do programa, que é garantir ao paciente condições mínimas de custear alimentação, transporte e hospedagem durante o tratamento. Com R$ 24,75 por dia, o paciente não consegue sequer arcar com uma refeição completa, muito menos com todas as despesas da estadia”, completa.

A Defensoria ressalta que, mesmo sendo um benefício parcial, a correção é essencial para reduzir o impacto financeiro sobre pessoas que já se encontram em situação de vulnerabilidade e, muitas vezes, precisam se ausentar de suas cidades por períodos prolongados.

Além disso, a ação pede que o valor seja corrigido anualmente, a fim de evitar a desvalorização monetária e assegurar a manutenção do benefício em bases reais.

Vidas

Em um dos casos apresentados na ação, um paciente submetido a transplante renal e acompanhamento pós-operatório permaneceu 30 dias fora do Estado e recebeu R$ 742,50 de ajuda de custo — valor que, segundo a própria Defensoria, cobre apenas cerca de seis dias de despesas básicas de alimentação e hospedagem.

“Além da defasagem no valor, a ação denuncia problemas administrativos na gestão do programa pela Secretaria de Estado de Saúde (SES/MS). Entre eles, a ausência de norma regulamentadora que estabeleça prazos para análise dos pedidos, a falta de procedimento padronizado para concessão do benefício, inexistência de previsão de recurso administrativo e carência de instrumentos de comunicação adequados para garantir que o paciente tenha acesso às informações sobre seu processo”, detalha o defensor.

Essas deficiências foram reconhecidas no próprio Relatório Anual de Gestão 2023 da SES/MS, que admitiu que o TFD-I opera com estrutura física desatualizada, processos manuais e risco de erros administrativos.

“A ausência de regras claras e prazos definidos viola direitos fundamentais como o devido processo legal administrativo, a duração razoável do processo e o direito de acesso à informação”, explica Nilton.

O defensor público também destaca que o Estado, ao utilizar como referência valores fixados em 2007, desconsidera as diretrizes do Plano Estadual de Saúde e não promove a atualização monetária necessária para manter o benefício efetivo.

“Ao pagar ajuda de custo com base em um valor que não é corrigido há quase duas décadas, o Estado transfere para o paciente a responsabilidade de arcar com despesas segundo preços atuais de mercado. Isso contraria o propósito social do programa e contribui para ampliar desigualdades”, reforça.

Entre 2017 e 2020, a SES/MS destinou R$ 4,5 milhões para passagens e ajudas de custo a 236 pacientes. Em 2020, o programa atendeu 43 pessoas de diferentes municípios.

“Mesmo assim, a Defensoria observa que, sem atualização do valor e sem regulamentação adequada, o alcance social da política pública permanece limitado”, destaca.

Audiência e próximos passos

No início de agosto, foi realizada audiência na Vara de Direitos Difusos e Coletivos, em que ficou decidido que o processo permanecerá suspenso até o início de novembro. Nesse período de 80 dias, a Defensoria Pública e a Secretaria Estadual de Saúde deverão negociar uma solução conjunta que leve em conta o impacto orçamentário da majoração do valor do TFD, com efeitos previstos a partir de 2026.

“Há estudos e reuniões em andamento para a construção de uma decisão comum, que estabeleça um valor atualizado já considerando a previsão de impacto orçamentário para os próximos anos. Mas, caso não haja consenso, o processo seguirá para apreciação do pedido liminar apresentado na ação civil pública”, explica Nilton.

Pedidos

A Ação Civil Pública requer que o Judiciário determine a atualização monetária da diária do TFD-I ou, alternativamente, o ressarcimento integral das despesas de transporte, hospedagem e alimentação, ou ainda um reajuste fixado judicialmente que atenda a critérios de justiça social.

A Defensoria também pede que o Estado elabore norma regulamentadora para o programa, com definição de competências, prazos, recursos e mecanismos de comunicação eficientes com os usuários, além de prever dotação orçamentária específica para garantir a execução da política pública.

“Não se trata de um pedido genérico ou de um gasto supérfluo. É uma medida para garantir que o direito constitucional de assistência à saúde seja exercido de forma digna, efetiva e sem impor ao paciente um sacrifício financeiro insuportável”, conclui Nilton.

Segundo estimativa apresentada pela Defensoria, se em 2023 o Estado gastou R$ 4 milhões com o programa, a correção do valor da diária elevaria o impacto orçamentário para mais de R$ 11 milhões anuais.

 

Defensoria Pública-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul

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