Psicóloga recebe denúncias pela Copead. (Foto: Guilherme Henri)
Texto: Danielle Valentim
As consequências do racismo colocam a população negra, pretos e pardos, na liderança dos piores dados estatísticos. E quando se fala em mulheres, os índices de violências mais que dobram, considerando a estrutura patriarcal, machista, misógina e racista da sociedade brasileira.
A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul aborda o tema mulheres em sua infinita diversidade, o ano todo, mas neste mês de março, em alusão ao Dia Internacional das Mulheres, levanta debates pontuais para promover a educação em direitos, uma das principais estratégias da instituição para minimizar violências.
Mais do que estigmas, o racismo deixa marcas sociais devastadoras, como, por exemplo, o da servidão. Rótulos como este produzem consequências que impactam todos os aspectos da vida de uma pessoa negra, principalmente, os direitos à educação, alimentação, segurança, trabalho, moradia e saúde, que são direitos e garantias fundamentais presentes na Constituição Federal de 1988.
Mulheres negras são as que mais sofrem violência doméstica no Brasil, as que mais denunciam agressões e as maiores vítimas de homicídio e feminicídio. E as vítimas dessas agressões têm duas coisas em comum: gênero e raça.
Para regionalizar o debate, a Defensoria usou dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no último dia 8 de março, em que aponta Mato Grosso do Sul como o terceiro estado mais violento contra mulheres.
A coordenadora do Nudem, defensora pública de 2ª Instância Zeliana Delarissa Sabala, pontua que a Defensoria Pública, por meio do Nudem, atua na promoção e defesa dos direitos de todas as mulheres, mas destaca que algumas são atravessadas por interseccionalidades que as colocam em situação de extrema vulnerabilidade.
Coordenadora do Nudem, defensora pública de 2ª Instância Zeliana Delarissa Sabala. (Foto: Danielle Valentim)
“A mulher negra sofre a violação de direitos fundamentais, como o direito à vida, à integridade física, moral e psicológica, e o direito à saúde, exponencialmente mais que outras mulheres. Ela compõe a base da sociedade brasileira, estruturada de maneira patriarcal, machista, misógina e racista, e, segundo estatísticas recentemente divulgadas, é a mulher negra quem também sofre maior índice de violência doméstica e familiar. Uma das ações que aproxima a Defensoria Pública dessa parcela da população são os projetos que levam atendimento jurídico e educação em direitos até a periferia, os quilombos e comunidades mais afastadas dos centros urbanos”, destaca a coordenadora do Nudem.
Assassinadas
Dentre tantas violações, nada supera o fato de mulheres serem mortas dentro de seus lares. A violência doméstica e familiar contra mulheres é um fenômeno que não respeita raça/etnia, credo, orientação sexual/identidade de gênero, classe social ou nível educacional. Mas para mulheres e meninas negras, a realidade é mais cruel ainda, pois a violência de gênero vem acompanhada de racismo.
Segundo a pesquisa O Papel da Arma de Fogo na Violência Contra a Mulher do Instituto Sou da Paz, elaborado a partir dos registros de mortes violentas do Ministério da Saúde em 2022 e também da série histórica até 2012, 68,3% das mulheres assassinadas com armas de fogo no Brasil, eram negras.
Em média, morrem, segundo a pesquisa, 2,2 mil mulheres baleadas todos os anos, representando cerca de metade dos assassinatos de mulheres no país. O estudo destaca também que 43% das mulheres assassinadas por armas de fogo, em 2022, foram mortas por uma pessoa próxima, como parceiros íntimos, amigos e familiares.
Violência psicológica, física ou sexual
Mato Grosso do Sul figura em terceiro como mais violento contra mulheres, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada no último dia 8 de março.
Ao menos 6% das mulheres brasileiras sofreram violência psicológica, física ou sexual praticada por um parceiro íntimo, antigo ou atual, no período de um ano. Os dados demonstram que mulheres pretas ou pardas sofreram mais com esse tipo de violência (6,3%) que brancas (5,7%).
O levantamento considera a situação de mulheres de 18 anos ou mais de idade e cuja forma mais grave de violência foi praticada por um companheiro.
Segundo o IBGE, os dados de violência não apresentam expressiva diferenciação regional — variam de 6,3% no Nordeste a 5,6% no Sul. Entre os estados com os piores registros estão Roraima (8,5%), Sergipe (8,4%) e Mato Grosso do Sul (8,2%).
Racismo institucional
Conforme dossiê Não Se Cale, do Governo de MS, as mulheres negras também são a maioria das vítimas da violência institucional de gênero, o que se constitui em racismo institucional. As mulheres e meninas negras, ao buscarem atendimento na rede de saúde e na segurança pública, apenas para citar dois exemplos de pastas imprescindíveis para o pleno exercício da cidadania, não raro são vitimizadas e revitimizadas.
Muitas mulheres relatam abusos durante a gestação e na assistência ao parto, pós-parto ou procedimento de abortamento nas instituições, públicas e privadas, de saúde; e as mulheres negras a vivenciam em maior frequência e intensidade a violência obstétrica.
Gênero e Orientação sexual
As mulheres negras transexuais, as mulheres negras lésbicas e também as mulheres bissexuais são triplamente discriminadas em nossa sociedade. As mulheres, seja por sua raça, por sua orientação sexual e/ou identidade de gênero, são invisibilizadas pela estigmatização, rejeição social e ausência de rede de apoio desde a sua infância e juventude, até sua velhice.
Cartilha lançada no início do mês pelo Instituto Brasileiro de Inovações Pró sociedade Saudável Centro Oeste (Ibiss-CO) em parceria com o Centro Estadual de Cidadania LGBTQIA+, intitulada “Mulheridades lésbicas e bissexuais de Mato Grosso do Sul – visibilidade, representatividade e combate à violência”, apresenta um “Dossiê Sobre Lesbocídio no Brasil”.
Maioria nos presídios
Em 2023, a Defensoria de MS, por meio do Nudem e Coordenadoria de Pesquisas e Estudos (CPES), apresentou com exclusividade a pesquisa “Diagnóstico com perspectiva de gênero e atendimento pelo Nudem das mulheres privadas de liberdade”, realizada com mulheres presas no Estabelecimento Penal Feminino “Irmã Irma Zorzi”.
Das 230 mulheres entrevistadas pelo projeto, 76,09% declararam-se negras (pretas e pardas), o que também se enquadra na proporção similar à média nacional.
Educação em Direitos dentro e fora da Defensoria
A Defensoria instituiu, em 2020, a Comissão de Preservação da Qualidade do Relacionamento Interpessoal do Trabalho, Prevenção e Enfrentamento ao Assédio e à Discriminação (Copead). Esse processo de diálogo externo fortalecido com assistidas e assistidos também é realizado internamente na instituição.
A psicóloga Departamento de Atendimento Psicossocial da Defensoria Pública-Geral, Janine Fortin Dittrich, destaca que a partir da criação de ações realizadas pela Copead, estratégias são construídas para o manejo de situações e exposições de experiências preconceituosas e alarmantes na Defensoria.
“É necessário reforçarmos a naturalização do processo de diálogo, respeito e esclarecimento entre servidoras e servidores, defensoras e defensores para avançar no combate ao racismo, assédios e demais atritos no relacionamento interpessoal de todas e todos”, pontua a psicóloga.