Como assistente da mulher e defesa do réu, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul atuou sem conflitos no julgamento que condenou homem que cometeu feminicídio contra ex-esposa. Em sessão realizada nesta quarta-feira (25) pela 2ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande, o réu foi condenado à pena de 18 anos e 6 meses de reclusão em regime fechado.
O julgamento aconteceu ontem (25), na data em que completou um ano do falecimento de Pamella Jennifer Garicoi. Segundo a denúncia, no início da tarde do dia 23 de março de 2017, após registrar um boletim de ocorrência em desfavor do ex-convivente, a vítima retornou ao seu trabalho, localizado na Avenida Mascarenhas de Moraes, na Capital.
Enquanto estava sentada ao balcão da recepção, ela foi alvejada de surpresa pelo acusado com um tiro na nuca. Logo em seguida, o homem tentou se matar disparando contra si. Ambos não morreram no local, sendo encaminhados para a Santa Casa. Embora ele tenha sobrevivido, sua ex-esposa faleceu cerca de um mês após o ocorrido.
A atuação em ambos os lados em processos criminais é algo incomum na Defensoria Pública e garante a defesa dos direitos tanto da vítima, que tem sua memória e personalidade preservadas, quanto do réu, que mantém intacto o seu direito à defesa.
A defensora pública do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) Graziele Carra Dias Ocáriz, que atuou na assistência da mulher, pontuou a necessidade de se qualificar o crime como feminicídio, “para que as mortes anunciadas de mulheres envolvidas em um contexto de violência doméstica deixem a invisibilidade e comecem a não ser mais toleráveis pela sociedade”.
Falou também sobre a dificuldade da mulher sair do ciclo de violência. “Não só a Pamella, mas muitas mulheres aceitam, elas demoram cerca de 10 anos para se livrar do ciclo da violência doméstica em que estão inseridas. E por que isso? Por vários motivos: por dependência financeira, amorosa, por acreditar que o réu iria mudar, por querer não desfazer a família, por pensar que em algum momento ele fosse ser melhor, mas ele não era melhor. Sabe como acabou o ciclo de violência da Pamella? Com a morte dela. Com ele, em uma atitude fria, de desprezo pela mãe de sua filha. Ele desprezava a condição dela como mulher. Isso não é amor, o que ele sentia pela Pamella era ódio”, afirmou no júri.
O Ministério Público reiterou as acusações presentes na denúncia e requereu aos jurados a condenação do autor em homicídio triplamente qualificado, em razão da torpeza, do recurso que impossibilitou a defesa da vítima e do crime ter ocorrido em razão da condição de mulher da vítima, ou seja, por tratar-se de feminicídio. Em sua fala, a promotoria ressaltou o histórico de violência sofrido pela mulher que, inclusive, havia registrado seis boletins de ocorrência contra o ex-companheiro, sendo três deles envolvendo lesão corporal. A acusação apresentou aos jurados o vídeo da câmera de segurança que filmou o assassinato, bem como as filmagens dos depoimentos de várias testemunhas relatando o ciúme doentio sentido pelo réu.
A defesa do acusado, também feita pela Defensoria Pública, por meio do defensor Gustavo Henrique Pinheiro Silva, no entanto, não pediu sua absolvição, nem a descaracterização do feminicídio, pois disse entender irrefutável a tese de que esta qualificadora está presente. Contudo, pleiteou o afastamento das outras duas qualificadoras.
Segundo sua tese argumentativa, a torpeza já se encontrava inserida no núcleo do feminicídio, enquanto que, para se considerar presente o recurso que dificultou a defesa da vítima, seria necessário que o acusado tivesse planejado cometer o delito de forma a não permitir que a ex-mulher se defendesse, o que não teria ocorrido no caso, já que ele teria agido de forma impensada.
Reunido em sala secreta, o Conselho de Sentença, por maioria dos votos declarados, condenou o réu no homicídio qualificado nos termos da pronúncia.
O juiz titular da 2ª Vara do Tribunal do Júri, Aluízio Pereira dos Santos, fixou a pena-base em 19 anos de reclusão e reduziu em 6 meses pela atenuante de confissão. Assim, o réu foi condenado à pena de 18 anos e 6 meses de reclusão.
Fotos: Ascom TJMS