Texto: Danielle Valentim
A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul realizou quatro inspeções em delegacias da Polícia Civil de Campo Grande, no mês de novembro. As visitas, motivadas por relatos obtidos em audiências de custódia, revelam condições de encarceramento piores que em penitenciárias.
As três primeiras visitas foram realizadas pelos coordenadores do Núcleo do Sistema Penitenciário (Nuspen) e Núcleo Criminal (Nucrim), defensor público Cahuê Urdiales e Daniel Calemes, respectivamente. A quarta inspeção contou com a participação da coordenadora do Nudem, defensora pública de Segunda Instância, Zeliana Sabala, porque é a delegacia que recebe as mulheres que são colhidas pelo sistema penal.
O coordenador do Nucrim, Daniel Calemes destaca que a série de inspeções teve o objetivo de verificar a permanência irregular de presos em delegacias da Polícia Civil na Capital.
“Nas visitas foram condições de encarceramento piores que nas unidades penais, considerando não haver visita, celas escuras, não haver banho de sol e, por falta de aberturas, não haver circulação de ar. Em uma das delegacias a quantidade de baratas era muito alto e os presos dormem com papéis nos ouvidos para os insetos não entrarem nas cavidades auditivas. O mau cheiro é muito forte também, mas o principal problema é a falta de água, haja vista que as fontes de água ficam fora da cela, portanto ficam sem água para beber e para dar descarga. O acesso à água ocorre quando um investigador é chamado, mas nem sempre ele está à disposição, porque não há servidor para este serviço específico. Falta condição mínima de encarceramento”, detalha o coordenador do Nucrim, Daniel Calemes.
O coordenador do Nuspen, defensor público Cahuê Urdiales ressalta o papel de promoção dos direitos humanos por meio da melhoria das condições de encarceramento.
“O mais importante é dar visibilidade a esta situação, demonstrar que isso acontece em Mato Grosso do Sul. Nosso caminho, agora, é tanto nas vistorias das unidades penitenciárias, quanto nas delegacias elaborar relatórios que serão encaminhados às autoridades competentes, para a partir daí tomar providências cabíveis”, completa o coordenador do Nuspen.
Inspeções presídios
As inspeções nas delegacias diferem das inspeções em unidades prisionais. O Núcleo do Sistema Penitenciário (Nuspen), conforme Resolução DPGE n.º 276/2022, é o núcleo “responsável pela elaboração do cronograma anual de inspeções nos estabelecimentos penais administrados pela Agepen”.
O coordenador do Nuspen, defensor público Cahuê Urdiales, reforça que a atividade de inspeção em Estabelecimento Penais, por órgão independente e externo à Administração Penitenciária, é prevista na Lei de Execução Penal, nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Mandela) e na Resolução CNPCP n.º 7, de 13 de dezembro de 2018, a fim assegurar a dignidade da pessoa humana no ambiente prisional (Convenção Americana de Direitos Humanos).
O ano de 2023 foram realizadas três inspeções em presídios de MS: A primeira inspeção ocorreu no dia 10 de fevereiro de 2023, no Presídio de Trânsito de Campo Grande; A segunda inspeção ocorreu no dia 10 de março, no Estabelecimento Penal Feminino “Irmã Irma Zorzi” em Campo Grande. e a terceira inspeção ocorreu no dia 20 de março, no estabelecimento penal de Dois Irmãos do Buriti, cidade a 115 km de Campo Grande.
Para o coordenador do Nuspen, a regulamentação da atividade de inspeção inaugurou fase da Defensoria e, consequentemente, do Núcleo do Sistema Penitenciário, porque reforça o papel de promoção dos direitos humanos por meio da melhoria das condições de encarceramento.
“Nas três inspeções a unidades prisionais em 2023 encontramos total precariedade. Todo adjetivo negativo a ser usado com relação às condições de encarceramento das unidades penais, nunca será exagerado. A superpopulação carcerária faz com que uma cela para dois acomode, quatro, oito e até 20 pessoas. Um projeto local que é para ter 100 abriga 400, isso é o que temos no sistema prisional. Pessoas sem colchão, sem roupa, sem uniforme, banho gelado — em Campo Grande a maioria do tempo faz calor, mas no Estado em geral temos cidades que faz muito frio. As questões que envolvem a saúde são outro foco de reclamação, tanto insuficiência de médicos quanto de medicação, eles falam que, em linhas gerais, só recebem paracetamol, para alívio momentâneo. Durante uma das vistorias nos deparamos com relatos de que o dentista arranca os dentes e não sutura. Várias celas deram a mesma informação e em uma delas um dos internos cuspia sangue na nossa frente. Registramos com fotos o buraco na boca sem suturar. A alimentação nem se fala, a bacia de feijão era uma água com alguns grãos, que também foi registrado em fotos. O Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho tem pouco mais de 600 vagas, mas 2400 pessoas estão em condições de vida subumanas”, finaliza o coordenador do Nuspen.
Para 2024, o Nuspen planeja um cronograma para inspeção nos 12 estabelecimentos penais gerenciados pela Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen).