Fomentar discussões inovadoras e atuais, esse é o principal objetivo do Seminário de Ciências Criminais da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul. Em sua terceira edição, o evento aconteceu nos dias 19 e 21 deste mês, na Escola Superior.
A palestra de abertura, na quarta-feira à noite, confirmou o preceito do seminário. Direito e Neurociência foi o tema abordado pelo Doutor em Problemas Atuais do Direito Penal, Paulo Cesar Busato. Participaram como debatedor e mediadora os defensores públicos Fábio Rogério Rombi da Silva e Ligiane Cristina Motoki.
A discussão trazida pelo professor é recente no Brasil e ele é um dos poucos autores a abordar a questão. Pesquisas recentes da neurociência têm impactado o estudo do direito, mais especificamente nas ciências penais.
Alerta
“O que se vem afirmando é que há descobertas científicas que lograram provar a inexistência do livre arbítrio e, a partir disso, vem se propondo mudanças sociais quanto ao controle social punitivo”, explicou.
O experimento que embasa esta linha de pensamento foi realizado na Universidade da Califórnia, em 1979, por Benjamin Libet. Pessoas eram equipadas com eletrodos na cabeça e deveriam escolher entre mover um dedo na mão direita ou um na esquerda. Os participantes eram instruídos a "deixar a vontade aparecer sozinha, sem planejar e sem se concentrar em quando agir". O exato momento em que faziam o movimento era anotado, a partir de um relógio que dava uma volta completa em 2,56 segundos.
“A partir desta pesquisa, Libet chegou à conclusão que 0,8 segundos, em média, antes da tomada da decisão, antes de que o sujeito seja ciente de que tomou a decisão, acontece certa atividade elétrica no cérebro. Ele chamou isso de potencial de prontidão. Mas parou aí, as conclusões que outros cientistas chegaram depois é que são perigosas”, afirmou o professor.
Os cientistas que o seguiram começaram a dar andamento nesses experimentos procurando demonstrar que a atividade elétrica condicionava a classe de decisão tomada. Para Busato, a afirmação é perigosa, pois trata-se de uma ideia determinista.
“No passado, pensamentos deterministas geraram diversas leis de eugenia e, apesar de associarmos o movimento ao nazismo, havia uma vertente mundial. Por exemplo, 18 estados americanos, na mesma época, tinham leis de eugenia, onde foram mortas dezenas de milhares de pessoas. Também se tentou, com base no determinismo, afirmar o crime por uma via absolutamente discriminatória. Todo mundo que estudou um pouco de criminologia teve contato com essas questões”.
Neurociência e direito
“Ultrapassando a seara das ciências biológicas, juristas têm desenvolvido artigos com neurocientistas sobre o assunto, questionando questões básicas do nosso dia a dia, como liberdade e violência”, disse o palestrante.
De acordo com Busato, não se trata de pôr em dúvida a liberdade, é afirmar que não somos livres. Um dos principais neurocientistas do mundo diz ‘nossa sensação de que temos pensamento consciente e que somos senhores de nossas ações é somente uma ilusão, por isso o direito penal baseado numa ideia de culpa contraria todas as ideias da neurociência havendo necessidade urgente de uma reforma da legislação e do sistema jurídico de responsabilidade’.
Um desses autores já está escrevendo com juristas para buscar alternativas ao princípio da culpabilidade no âmbito dos fins da pena, para que o sistema penal ofereça um novo leque de tratamento baseado em periculosidade.
Recentemente estudos concluíram que déficits na região estudada em pessoas com comportamentos violentos afetam sua capacidade de escolha e suas reações afetivas emocionais.
“Chega de culpabilidade baseada em liberdade. Não importa o que se fez, importa como funciona o cérebro”, critica o professor, que segue dizendo que o proposito é de que algum dia o assunto neurocientífico domine o sistema judicial com uma matriz determinista e de corte lombrosiano.
Exemplos legislativos mostram na prática o que o professor quer dizer. Em 2003, a Inglaterra aprovou uma legislação que prevê uma sentença adicional com prazo indefinido para quem tenha sido considerado com alta possibilidade de reincidência, baseado em mapas neurocientíficos. Em 2005 a lei foi suspensa, pois já havia mais de 1000 pessoas nesta situação.
Em 2015, na Espanha, foi aprovada uma prisão permanente revisável, em que o indivíduo só sai com diagnóstico positivo de personalidade. Para Busato, os exemplos mostram a gravidade da situação e o que deve ser feito é reexaminar o conceito de liberdade.
“Liberdade não é algo que pode se encontrar no meio do cérebro. É o modo como nós vemos o mundo, como concebemos uma estrutura de convivência. Não tem um jeito de enxergar o mundo que não seja partindo do pressuposto de liberdade. Se isso é o modo de vida, como vamos encaixotar isso dentro do sistema límbico?”, questiona.
O 3º Seminário de Ciências Criminais continuou na sexta-feira (21) com mais quatro palestras.