A Defensoria Pública garantiu em uma decisão de 2º grau indenização por danos morais a uma paciente que sofreu ofensas de uma médica em razão de sua nacionalidade.
O fato ocorreu na Unidade Básica de Saúde do bairro Tiradentes, em Campo Grande. No dia, a assistida chegou com quadro de dor de cabeça, vômitos e tontura. Após considerável demora para ser atendida, a médica perguntou de onde ela era, devido ao sotaque. Ao afirmar ser de Honduras, a profissional disse “É o sotaque mais horrível que já ouvi em toda minha vida”.
O diálogo seguiu assim:
- Doutora. Estou com muita dor de cabeça.
- Não interessa. Aqui nesta sala a médica sou eu. Eu que tenho que te entender! Quantos anos faz que você mora no Brasil?
- Cinco anos.
- Cinco anos? Cinco anos e ainda não aprendeu a falar este lindo idioma que é o português? Você fala pra dentro. Aprende o português direito!...”
A mulher saiu extremamente abalada do local e sequer conseguiu explicar direito o que estava sentindo, tamanho o constrangimento. No dia seguinte foi pega chorando por várias colegas na escola onde trabalha. Ao ser consolada pelas mulheres, recebeu o incentivo de buscar seus direitos na Justiça.
Na Defensoria Pública foi atendida pelo defensor Aparecido Martinez Espínola, que ajuizou a ação e interpôs recurso contra decisão que julgou improcedente o pedido. Em segundo grau, o processo foi acompanhado pela defensora pública Neyla Ferreira Mendes.
De acordo com o defensor, diante da prestação de serviços de caráter médico é adotado o Código de Defesa do Consumidor, eis que há uma relação de consumo inter partes, logo pode ser aplicada a inversão do ônus da prova.
“O atendimento médico realizado pelo Sistema Único de Saúde em nada interfere a aplicação do CDC, pois existe uma remuneração indireta para o médico, realizada pelo Estado. Ainda, nesta situação, é sabido que a hipossuficiência técnica da paciente, também consumidora, permanece. Dessa forma, a jurisprudência se amolda ao presente caso”, explicou.
O acórdão ressaltou que a recorrida é servidora pública, obrigada a tratar a todos com urbanidade e não se valer de sua posição para humilhar ou menosprezar qualquer paciente, tampouco em razão de nacionalidade ou sotaque.
“Sendo que o trato educado, devido pelos prestadores de serviço público aos usuários não é mera exigência do bom convívio social, mas um dever legal, que também possui assento constitucional. O atendimento médico sem cortesia e com o intuito de depreciar a origem ou nacionalidade do paciente é fato que extrapola o mero aborrecimento, por ofender a dignidade da pessoa humana em razão do desprezo às características individuais de cada pessoa”, conclui.
No começo deste mês, a 2ª Turma Recursal Mista de Campo Grande reconheceu o dano e afirmou que os elementos probatórios eram suficientes para concluir a ocorrência dos fatos e a conduta discriminatória.
Texto - Lucas Pellicioni