Uma pesquisa feita pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em 2017, revela que o Brasil contabilizou uma triste liderança mundial: o país em que se assassina mais travestis e transexuais. A cada 48 horas uma travesti ou mulher transexual é assassinada. Nos últimos dez anos, dos 1.356 casos registrados em 23 países das América Central e do Sul, 689 mortes foram no Brasil. Só em 2017, 179 assassinatos foram praticados.
Uma vez que a estatística mostra uma realidade crítica, a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul, por meio da Escola Superior, promoveu o Diálogos Interdisciplinares: Transfeminismo. O encontro lotou o auditório da ESDP-MS, na Capital, onde mais de 150 pessoas puderam compreender melhor aspectos jurídicos, psicológicos e de saúde da pessoa trans.
O transfeminismo, uma vertente do feminismo que “abraça” as mulheres trans na luta pela igualdade de oportunidades na sociedade
Doutora em Teoria Literária e mestre em pela Unicamp, Amara Moira, que é militante na luta pela defesa dos direitos LGBT abriu o evento.
Moira compartilhou suas experiências como mulher trans, as dificuldades de se enxergar diferente numa sociedade que ela acredita ainda passar por um conflito em aceitar o próximo como ele se reconhece.
“Eu percebia que era diferente e não sabia o que esperar da vida, dos meus pais, da faculdade. Então, eu começo a transição cheia de medos. Tive de ler muito, conhecer outras pessoas que passavam pela mesma situação. Somente as pessoas que conviviam comigo e partilhavam da minha condição como mulher trans passaram pelas mesmas coisas que eu. Me sentia segura, amparada, amada e meu gênero era respeitado sem precisar de decreto ou lei que obrigasse que eu fosse respeitada da forma que sou”, destacou.
Amara Moira também destacou em sua palestra a carreira dentro da universidade fazendo um panorama das conquistas alcançadas pelas trans.
“Nos últimos quatro anos, 25 publicações foram feitas por trans. Isso é uma amostra da nossa força e do espaço que nunca tivemos na sociedade e que pela primeira vez estamos nos tornando referência nos debates. É importante que a gente reconheça nossa força, nunca fomos tão protagonistas, nunca fomos tão referência nos movimentos sociais, nos movimentos negro, feminista, moradia e em muitos outros” disse.
Finalizou enfatizando a importância da busca pelo conhecimento e dedicação aos estudos.
“Eu quero cada vez mais brechas para que a gente possa sonhar, porque 10, 15, 20 anos atrás, nós trans poderíamos sonhar, mas a única realidade de trabalho era a sexual, o presídio e a marginalidade. Agora podemos sonhar em ser advogadas, professoras e acreditar que isso é possível de se realizar”, concluiu.
Questões de saúde da pessoa trans
Mestrando em Educação pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), integrante do Conselho Estadual da Diversidade Sexual, do Conselho Estadual de Direitos Humanos e do Fórum Estadual LGBT, o professor Marco Aurélio de Almeida Soares falou sobre as transformações que a rede de saúde pública vem passando para assegurar o direito à saúde da pessoa trans.
“Em 2016, o Ministério da Saúde lançou campanha da mulher trans mostrando a necessidade de atendimento médico especializado a essa parcela da população que antes não era reconhecida. No mesmo ano, o Hospital Universitário criou um ambulatório especializado em atendimento para homens trans. Equipe multidisciplinar com urologista, ginecologista, fonoaudióloga, psicóloga, endocrinologista e, agora, passa a contar também com um cirurgião plástico”, descreveu.
Mas apesar dos avanços, Marco Aurélio destacou ainda a necessidade de humanização do atendimento prestados a mulher e ao homem trans.
“Ainda existe muito que avançar. No meu ponto de vista, o homem trans sofre bem menos preconceito que a mulher trans, pois uma grande parcela da sociedade é machista”, disse.
Aspectos Jurídicos: a proteção da pessoa trans
Doutora em direito Processual Civil pela PUCSP, diretora da Escola Superior (ESDP-MS) e defensora pública Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira encerrou as palestras com a temática que deu ênfase aos aspectos jurídicos e falou sobre a proteção jurídica da pessoa trans e também as discrepâncias existentes no próprio sistema jurídico brasileiro.
“Se um homem cisgênero com seios (ginecomastia) quiser fazer uma mastectomia para retirar seus seios, ele fará rapidamente. A norma social diz que homens não tem seios, logo ele não ‘sentirá falta’ dos seios removidos. Agora, se um homem trans quiser fazer o mesmo procedimento ele precisará passar por um processo no qual será avaliado por médicos psiquiatras para que terceiros declarem quem ele é e se pode ou não fazer o procedimento”, explicou.
Este é um exemplo, que elucida o fato de no mesmo tipo de intervenção existir tratamento diferenciado.
“O tempo médio do processo de transgenitalização, que é a mudança para o gênero a qual a pessoa se identifica, é de 10 a 12 anos, média nacional. Nos parece, por diversos motivos que serão aqui demonstrados que há desrespeito ao ‘direito a autonomia do indivíduo sobre o próprio corpo’ e também ao ‘direito a auto-identificação’, pontuou a defensora pública.
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