(Foto: Alex Machado/Campo Grande News)
Texto: Danielle Valentim
A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul é instituição que mais ajuíza ações solicitando remédios, cirurgias ou mesmo consultas que já deveriam ser disponibilizadas administrativamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em entrevista especial ao Portal Campo Grande News, a coordenadora do Núcleo da Saúde (NAS) revelou dados importantes sobre medicamentos padronizados pelo serviço público de saúde.
Confira alguns destaques:
De 44 ações de medicamentos ajuizadas contra o Município de Campo Grande, entre maio e dezembro do ano passado, 78% referiam-se àqueles padronizados pelo serviço público de saúde. Em relação ao Estado, esses números se invertem, sendo 70% solicitando remédios não padronizados e 30% dos que estão na lista.
Para a coordenadora do NAS, defensora pública Eni Maria Sezerino Diniz, esse percentual revela um grave desabastecimento na farmácia do município. “Quer dizer, é medicamento que consta na lista do SUS. Isso demonstra que as farmácias básicas, as farmácias do município, estão desabastecidas de insumos e de medicamentos necessários”, afirma.
Vale ressaltar que em maio do ano passado a Defensoria passou a tabular os dados por meio de sistema informático. Segundo a defensora, durante o período citado, esse era o recorte.
Por mês, a Secretaria Municipal de Saúde apresenta o estoque de remédios de uso contínuo nas farmácias públicas dos postos de saúde. Atualmente, 34 estão em falta, conforme a lista mais recente, de 7 de fevereiro de 2024. Entre tais medicamentos estão analgésicos, anestésicos, antiácidos, antibióticos, e outros como lidocaína, amoxicilina, omeprazol e até bromoprida. O estoque, nesses casos, é marcado como “em aquisição”.
Em relação aos processos que a Defensoria abre contra o Governo do Estado, que foram 245 pedindo medicamentos, ocorre sistema inverso: 70% se relacionam a medicamentos novos e não presentes na lista do SUS, e 30% são pedidos de remédios listados pelo serviço público.
Ao todo, entre maio e dezembro do ano passado, a Defensoria ajuizou 1.293 em Campo Grande contra a prefeitura do município (905) ou contra o Estado (391). Não há dados sobre os procedimentos abertos nas cidades do interior de Mato Grosso do Sul.
Tripé – Para a defensora, três são as principais causas da alta judicialização de serviços e produtos de saúde do SUS: vazios assistenciais, antiguidade da lista de produtos e medicamentos disponibilizados gratuitamente pelo SUS e o desabastecimento ou insuficiência de oferta.
O que são vazios de assistência?
“São as previsões de políticas públicas que deveriam ter cobertura pelo SUS para toda a população, só que o Poder Público não fornece. Que exemplo posso te dar disso? Serviço de atenção domiciliar Home Care. Existe uma política pública? Sim. Está previsto no SUS o serviço de atenção domiciliar? Sim. Mas há locais onde não há cobertura desse tipo de serviço. Por quê? Porque o gestor, que nesse caso é municipal, não tem equipe, não tem profissionais”, afirma.
Quanto à obsolescência das listas de insumos e medicamentos, ou seja, a falta de renovação de remédios mais modernos, a defensora exemplifica que “a dinâmica da sofisticação da evolução dos medicamentos é constante” e que cada ente – Federal, Estadual e Municipal – e “Estados e municípios têm autonomia para ampliar”, diz Eni.
“Esse é um dos motivos da judicialização: a demora na incorporação de novas tecnologias e insumos pelo SUS, pelo Estado, pelo município. Só para dar um exemplo assim, bem simples, a última edição da lista estadual foi de dezembro de 2013. Ela não sofre nenhuma inserção de medicamento há mais de 10 anos. Todos os anos eles reeditam sempre a mesma”, lamenta a defensora.
O que é o desabastecimento?
“Se você vai lá para aquela lista, há uma lista nacional de referência dos medicamentos. O município, que é atenção básica, tem que dispensar esses medicamentos para essas e essas doenças, mas quando você vai à farmácia do município não tem aquele medicamento”, exemplifica a defensora.
Muitas ações
A defensora reforça que antes de impetrar as ações, a Defensoria Pública tem um questionário que define com o cidadão se há ou não cabimento de acessar o Judiciário pela demanda. “Parece que basta chegar lá com um papelzinho e a gente judicializa e pronto. E não é assim”, defende.
Ela explica, por exemplo, que o médico e também o paciente, precisam demonstrar que utilizou o medicamento disponível no SUS e explicar motivo da necessidade de outro remédio. “Tem que dizer: “olha, eu não posso usar essas alternativas porque esse paciente tem outra comorbidade associada que impede o uso dessa alternativa”, por exemplo. Isso tudo é demonstrado judicialmente. É preciso entender que nós judicializamos baseados na lei”, afirma.