Texto: Danielle Valentim
A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul avalia como um retrocesso o “projeto” do Hospital Beneficente Dona Elmíria Silvério Barbosa, de Sidrolândia, cidade a 70 km de Campo Grande, que oferece cesarianas eletivas a gestantes de baixo risco. Por meio de ofícios, a Defensoria solicita medidas de intervenção e a exclusão de um vídeo que incentiva práticas contrárias ao recomendado.
Nas redes sociais, o hospital celebra a realização da primeira cesárea após cinco anos. Esse “projeto” vai contra legislações internacionais, nacionais e estaduais, além de normas do próprio Sistema Único de Saúde (SUS). Surpreendentemente, a unidade hospitalar conta uma equipe completa, contradizendo a argumentação utilizada para fechar o Centro de Parto Normal (CPN) - Magdalena Targa do Nascimento, em 1º de maio de 2023, um espaço de referência para o serviço de parto humanizado em Mato Grosso do Sul.
Intervenção urgente
Em ofícios enviados à Secretaria Estadual de Saúde (SES), à Subsecretaria de Estado de Políticas para Mulheres, à Secretaria Municipal de Sidrolândia e ao Hospital Beneficente Dona Elmíria Silvério Barbosa, a Defensoria Pública, através do Núcleo dos Direitos Humanos (Nudedh), do Núcleo de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Nudeca) e do Núcleo dos Direitos da Mulher (Nudem), aponta a falta de informação e a prática de ações contrárias à legislação vigente.
Com embasamento nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde, na Lei da Primeira Infância, nos entendimentos de cortes internacionais e na Lei Estadual nº 5.217/2018, a Defensoria solicita providências imediatas para intervir na unidade hospitalar. Isso se deve ao fato de que induzir gestantes ou parturientes a acreditar na necessidade de uma cesariana, quando não é essencial, vai contra as políticas de proteção.
A instituição também destaca a importância de se alinhar às normas do Ministério da Saúde, incluindo o Sistema Único de Saúde (SUS), que atende à população de baixa renda.
Adicionalmente, exige a remoção imediata do vídeo institucional publicado nas redes sociais, bem como as informações sobre datas de partos. A remoção deve ser devidamente justificada, visto que a cesariana em gestantes de baixo risco contradiz as recomendações. A Defensoria reitera que a propaganda divulgada é vista como um atentado à autonomia feminina e à saúde infantil, sendo considerada uma veiculação abusiva.
Centro de parto fechado
Até o término de suas operações, o Centro de Parto Normal (CPN) - Magdalena Targa do Nascimento realizou 1.829 partos humanizados. Esses procedimentos foram marcados pela ausência de episiotomia e da manobra de Kristeller, com 98% dos casos apresentando contato pele a pele na primeira hora, 99% de início da amamentação nesse mesmo período, 96% de clampeamento do cordão umbilical realizado adequadamente, a possibilidade de um ou mais acompanhantes estarem presentes, visitação livre, taxas muito baixas de aspiração e transferência, além de nenhuma ocorrência de mortalidade fetal ou materna.
A coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos (Nudedh), defensora pública Thaísa Defante, que teve participação direta na criação e instalação do Centro de Parto de Sidrolândia, avalia o ocorrido como um retrocesso jurídico.
“O direito trabalha com o princípio da vedação do retrocesso. Como se sai de um cenário no qual as práticas realizadas no âmbito de um centro de parto normal são contrárias ao preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), toda a legislação nacional, e se coloca isso nas redes sociais com a maior naturalidade? Nem o município de Sidrolândia nem o hospital municipal se empenharam em organizar uma retaguarda para o Centro de Parto, resultando agora em um claro retrocesso e prejuízo para a autonomia do corpo da mulher, para as boas práticas de nascimento e parto, e para a segurança da criança. Eles ostentam cirurgias eletivas em gestações de baixo risco em um projeto que não está claro. Este projeto é uma manutenção do que está errado? Realmente é estarrecedor. Como se passa de práticas adequadas para práticas contrárias ao que predomina em toda a legislação internacional, nacional e inclusive no SUS? Temos uma política pública excelente, mas que não foi adotada pelos gestores do hospital”, conclui a coordenadora do Nudedh.