Coordenadora do Nudem, defensora de Segunda Instância Zeliana Sabala. (Foto: Danielle Valentim)
Texto: Danielle Valentim
A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul e o Ministério Público Federal (MPF) enviaram recomendação à Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) para que a entidade viabilize a comunicação dos indígenas recolhidos no sistema prisional por meio de suas línguas nativas. O desrespeito ao direito foi constatado durante visitas das instituições nas penitenciárias femininas de Ponta Porã e Jateí, no último dia 28 de junho.
A recomendação assinada pela coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) defensora pública de Segunda Instância Zeliana Luzia Delarissa Sabala, e pelo procurador da República Marco Antônio Delfino de Almeida, requer a designação de profissionais devidamente capacitados, quando disponíveis, para atuarem como intérpretes ou facilitadores da comunicação entre os indígenas e os agentes penitenciários.
"A pessoa que cometeu delito e foi recolhida pelo sistema prisional se vê tolhida da liberdade de ir e vir, mas, jamais, a prisão se trata de uma concessão ao poder estatal para retirar da pessoa direitos outros como sua dignidade. Por isso, enquanto Defensora Pública, foi muito difícil e entristecedor perceber a naturalidade com que as autoridades com poder de decisão, por suposta questão de segurança, estavam ignorando normas constitucionais, tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que, ao fim e ao cabo, provocavam violações ao direito de comunicação na língua materna das mulheres indígenas recolhidas no ambiente penitenciário", destaca a coordenadora do Nudem.
Coordenador do Nupiir, defensor Lucas Pimentel. (Foto: Danielle Valentim)
Sobre a imposição de restrições à comunicação, o coordenador do Núcleo de Defesa dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial e Étnica (Nupiir), defensor público Lucas Pimentel pontuou que é imprescindível reconhecer e valorizar a riqueza cultural representada pelos povos indígenas.
"A recomendação conjunta da DPE e do MPF é um marco no respeito a tradicionalidade dos povos indígenas, já que a língua materna é uma das manifestações culturais e simbólicas das etnias, que devem sempre ser respeitadas e preservadas. É impensável no mundo da constituição cidadã de 1988 se falar em proibição da expressão no idioma originário, sendo o posicionamento da Agepen mais um exemplo de racismo e etnocídio, bem como uma afronta as normas e princípios da CF", destaca o coordenador do Nupiir.
O documento destaca que enquanto não forem tomadas as providências necessárias, a Agepen não deve impedir a comunicação entre os indígenas e suas famílias na sua língua materna. Além disso, foi recomendada a realização de capacitações e sensibilizações direcionadas aos funcionários das penitenciárias, visando à criação de um ambiente pautado no respeito e na valorização da diversidade cultural.
Visitas às penitenciárias – As instituições realizaram visitas nas penitenciárias femininas de Ponta Porã e Jateí, no último dia 28 de junho. Nessas visitas, constatou-se que as mulheres indígenas recolhidas no sistema prisional estavam sendo impedidas de se comunicar entre elas e com seus familiares na sua língua materna, por alegado motivo de segurança.
A situação relatada pelas indígenas parece ser uma prática institucionalizada da Agepen, o que os levou à conclusão de que todos os indígenas do sistema prisional de Mato Grosso do Sul têm seu direito humano violado, uma vez que a proibição arbitrária do uso da língua materna constitui ato discriminatório e atentatório contra a dignidade da pessoa humana.
Direitos dos indígenas - A recomendação lembra que a Constituição Federal garante o pleno exercício dos direitos culturais e estabelece como patrimônio cultural brasileiro, objeto de especial proteção, os modos de criar, fazer e viver das comunidades indígenas.
Ela também destaca que a Resolução 287/2019, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no sentido de que a autoridade judicial deve buscar garantir a presença de intérprete em todas as etapas do processo, bem como, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os Povos Indígenas e Tribais, ratificada pelo Brasil pelo Decreto 5.051/2004, a qual declara que "deverão ser adotadas disposições para se preservar as línguas indígenas dos povos interessados e promover o desenvolvimento e prática das mesmas”.
Foi fixado o prazo de dez dias para que a Agepen forneça informações acerca do acatamento da recomendação.