De esquerda para à direita, coordenador do Nuspen, Cahuê Urdiales; defensor-geral de MS, Pedro Paulo Gasparini; e coordenador do Nucrim, Daniel Calemes.
Texto: Danielle Valentim
A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul assinou um documento, junto à Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP), por meio do seu Núcleo Especializado de Situação Carcerária, e diversos institutos, organizações e entidades, com propostas ao Decreto Presidencial de indulto 2023. A minuta enviada ao Ministério da Justiça pede medidas em relação à superlotação carcerária e às condições de presos em suas mais variadas peculiaridades, com o objetivo de promover uma abordagem mais justa e melhorar o sistema carcerário no Brasil.
Se juntaram à análise, o defensor público-geral de MS, Pedro Paulo Gasparini, o coordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário (Nuspen), defensor público Cahuê Duarte E Urdiales, e o coordenador do Núcleo Criminal (Nucrim), defensor público Daniel Calemes.
O documento destaca dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que mostram que o Brasil conta atualmente com 768.493 mil pessoas presas. Desse total, 56,9% são presas provisórias, ou seja, ainda não foram condenadas definitivamente. O país figura, desde 2017, como a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.
Dentre os pareceres também há um alerta sobre o encarceramento feminino, que desde o ano de 2000, quadruplicou no Brasil, conforme pesquisas internacionais. Com o aumento desproporcional, o Brasil bateu a marca das 42 mil presas, ultrapassando a Rússia (37 mil) e assumindo a terceira posição no ranking dos países com mais mulheres atrás das grades.
A união para apreciar, o formato como o decreto de indulto é aprovado anualmente, destaca a necessidade de uma política criminal e penitenciária mais racional e responsável.
"Neste documento colaborativo apresentado por diversas organizações e defensorias públicas, destaca-se reflexões sobre o decreto de indulto anual e a necessidade de considerar a gravidade das condições carcerárias, mas sobretudo destaca-se a importância de abordar questões urgentes, como a garantia dos direitos das pessoas trans, indígenas e a proteção das pessoas privadas de liberdade com transtornos mentais”, pontua o defensor-geral, Pedro Paulo Gasparini.
A coordenação do Nuspen pondera sobre a importância de considerar a edição do decreto diante dos problemas gravíssimos e notórios, como a superlotação e a falta de serviços prisionais e estrutura adequada.
“Em um cenário de desafios e demandas crescentes, é importante destacar a necessidade de uma abordagem mais responsável em relação ao sistema carcerário brasileiro, para a proteção dos direitos humanos, evitando responsabilizações internacionais por violações desses direitos. Colaborar com a construção de um decreto de indulto mais inclusivo e por uma justiça sem desigualdades é um dos papeis da Defensoria Pública como guardiã da justiça e dos direitos humanos”, pontua o coordenador do Nuspen.
A coordenação do Nucrim frisa a contribuição para o aprimoramento da política criminal e penitenciária.
“A Defensoria Pública tem um papel fundamental na defesa dos direitos individuais e coletivos, e sua atuação comprometida e embasada em princípios éticos é essencial para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Este documento colaborativo reforça o compromisso com a promoção da igualdade e da justiça social, e sua busca por uma sociedade mais inclusiva e respeitosa, além de ser uma importante contribuição para redução da superlotação do sistema carcerário”, pontua o coordenador do Nucrim.
Dentre os principais pontos levantados estão:
- A necessidade de tomar uma decisão pelo desencarceramento racional e responsável, a fim de diminuir a população carcerária e melhorar as condições das pessoas presas;
- A falta de cumprimento da promessa feita pelo Estado Brasileiro de reduzir a população carcerária em pelo menos 10% até 2019;
- A busca por segurança jurídica na elaboração do decreto, baseando-se em decretos pretéritos;
- A proposta de incluir no decreto a consideração da superlotação carcerária como critério para concessão de comutação da pena; e entendimento de que o decreto de indulto não tem o objetivo de favorecer uma ou outra pessoa ou corporação, mas sim de ser um instrumento constitucional indispensável ao desenvolvimento de uma política criminal e penitenciária racional.
Na proposta também são mencionadas algumas categorias de pessoas que deveriam receber o benefício de indulto:
- É sugerida a diminuição dos lapsos do indulto pela metade para pessoas indígenas que estejam cumprindo pena em desconformidade com o artigo 56, parágrafo único, da Lei 6.001/1973, independentemente de apuração administrativa ou judicial da responsabilidade pelo descumprimento.
- É mencionada a concessão de indulto às pessoas condenadas a pena privativa de liberdade que tenham sido vítimas de tortura, nos termos da Lei nº 9.455/1997, reconhecida por decisão colegiada de segundo grau de jurisdição.
- É também sugerida a concessão de indulto coletivo às pessoas condenadas a pena privativa de liberdade que tenham sido vítimas de tortura, nos termos da Lei nº 9.455/1997, praticada por agente público ou investido em função pública no curso do cumprimento da sua privação de liberdade, desde que comprovada a materialidade delitiva, independentemente de condenação penal do agente.
- Além disso, o indulto também seria aplicável às pessoas em cumprimento de medida de segurança e adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa.
Dentre os pontos tratados, o material também destaca a importância de garantir tratamento adequado e respeito aos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade e portadoras de transtornos mentais, a partir da Lei 10.216/2001 e a Portaria nº 94/2014 do Ministério da Saúde. As entidades destacam a Resolução nº 293/2019 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que estabelece procedimentos e diretrizes para o tratamento das pessoas com transtorno mental ou qualquer forma de deficiência psicossocial, que sejam investigadas, acusadas, estejam custodiadas, em prisão domiciliar ou em cumprimento de alternativas penais, monitoração eletrônica ou outras medidas em meio aberto, visando assegurar os direitos dessa população.
Além de debater o indulto, condições do sistema carcerário, tratamento de pessoas com transtornos mentais e direitos humanos, a proposta discute a questão das pessoas trans e a importância de garantir direitos e proteção para essa população, como: identidade de gênero; princípios de Yogyakarta; e direito ao reconhecimento como pessoas perante a lei.
Também assinam, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), a Associação de Familiares e Amigos de Presos e Egressos (Afape), o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT), o Mecanismo nacional de prevenção e combate à Tortura (MNPCT), a Conectas Direitos Humanos, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o Fórum Justiça, o Coletivo Por Nós, a Rede Feminista Antiproibicionista SP (Renfa), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Instituto das Irmãs da Santa Cruz (IISC), a Pastoral Carcerária Nacional (CNBB), o Instituto Pro Bono (IPB), a Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública do Estado da Paraíba (DPE-PB), o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura da Paraíba (CEPCT-PB), a Defensoria Pública do Estado de Pernambuco (DPE-PE), a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPE-MG), a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE-RS), a Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina (DPE-SC).